MOSAICO DE HISTÓRIAS NUMA PERSPECTIVA
DOS ESTUDOS CULTURAIS
Eliana Aparecida de Quadra
Corrêa
UNIVILLE
RESUMO:
O artigo é um recorte da pesquisa sobre causos e lendas na voz do idoso que
enfoca a cultura imaterial joinvilense. A literatura oral é investigada como
representação social e literária sob a perspectiva dos Estudos Culturais tendo
por base o conceito de “identificação” de Hall. A narrativa coletada da lenda
Boi-de-mamão em Joinville, transcrita sob a metodologia da história oral foi
cotejada com as variações da lenda encontradas na literatura oral por Cascudo, Pisani e Azevedo. O objetivo da
análise comparativa é demonstrar que cada variação da lenda apresenta especificações
culturais associadas ao tempo e ao espaço em que é contada, mas que sua representação
pode ser conservada em tempos e espaços com “identificações” diversas.
PALAVRAS CHAVE: histórias que migram, lenda
Boi-de-mamão, cultura imaterial joinvilense.
INTRODUÇÃO
O Brasil é um
país imenso cheio de gente que viaja para lá e para cá. Muitas pessoas saem do
Nordeste para viver no Pará, Santa Catarina, Tocantins, Rio de Janeiro,
Rondônia, Amapá, Goiás e outros lugares. [...]Essas pessoas sempre partem com o
sonho de construir uma vida melhor. Além de roupas e objetos pessoais, levam na
bagagem sua cultura regional, ou seja, suas tradições, seu jeito de falar, as
lembranças, as histórias que ouviram na infância, os versinhos e as adivinhas
que aprenderam com os avós, as crenças, as brincadeiras e até o modo de
preparar as comidas.
Azevedo observa que lendas da tradição oral passadas de boca em boca,
transmitem memórias culturais de crenças, mitos e ritos, que são alterados e
adaptados em função do contexto social.
A literatura oral nesta investigação é tratada como linguagem e como
representação social, num cruzamento de uma narrativa coletada em Joinville com
as variações registradas por Ricardo Azevedo, Câmara Cascudo e Osmar Pisani.
O substrato analisado é a lenda Boi-de-mamão colhida na entrevista com
seu Luiz, migrante joinvilense, transcrita pela metodologia da história oral. Esta
análise se sustenta no conceito de mito na perspectiva dos estudos de Eliade
(1907 – 1986) e de Azevedo (1949).
Segundo o mitólogo Eliade
“[...]
os mitos revelam que o mundo, o homem e a vida têm uma origem e uma história
sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e exemplar.” Para
ele o mito é vital a civilização humana, é uma realidade viva, uma sabedoria
popular. E o seu conhecimento auxilia em entender o sentido dos rituais e da
moral exposta por ele.
Eliade
comenta que: “Trata-se, contudo, sempre de um ciclo, isto é, de uma duração
temporal que tem um começo e um fim. Ora, no fim de um ciclo e no início do
ciclo seguinte, realiza-se uma série de rituais que visam a renovação do
Mundo.”
O folclorista brasileiro Azevedo, acredita
que muitas narrativas míticas, das mais diversas culturas, teriam sofrido um
processo de dessacralização, com o passar do tempo, deixaram de ser interpretadas
com fé religiosa, sendo este um dos fios condutores desse imaginário. As
lendas, mitos, ritos por carregarem valores que identificam com variadas
culturas continuam a ser contadas e, de boca em boca, sofrem múltiplas
alterações e influências.
As histórias da cultura oral se perpetuam através dos séculos pelas
memórias e pelas vozes, e no decorrer do tempo, como afirma Azevedo “[...]
sofreram todo tipo de modificação: fusões, acréscimos, cortes, substituições e
influências. Em tese, numa simplificação, de um mesmo mito (narrativa sagrada
arcaica) europeu, por exemplo, podem ter surgido infindáveis e variadas
histórias, marcadas pelas diversas culturas.”
E
este mosaico de histórias tornou-se rico e multifacetado, em uma complexidade
em suas possíveis origens e variações.
GENEALOGIA DOS ESTUDOS CULTURAIS
Para entender a cultura imaterial como representação social buscou-se uma
genealogia dos estudos culturais traçado por Prysthon
que
evidencia a dinâmica da cultura.
A partir da metade da década de 1950, na Grã-bretanha, E.R. Leavis busca disseminar
o capital cultural através do sistema educacional difundindo a cultura literária
canonizada. Em contrapartida, Richard Hoggart e Raymond Williams trabalharam
com a ideia da cultura de massa como formas culturais compartilhadas pelas
classes trabalhadoras. No final da década de 1960 Thompson citado por Prysthon
“[...] vai argumentar que a identidade da classe operária vai ter sempre um
componente político e conflitual, independente de valores e interesses
culturais particulares.”
Com a fundação do Centro de Estudos Culturais na Universidade de
Birmingham, jovens teóricos operaram novas relações entre a cultura
contemporânea e a sociedade e a cultura de massa e assim, as políticas da
cultura passam a ser foco de pesquisas.
Numa abordagem estruturalista Stuart Hall enfoca as práticas
significantes e os processos discursivos. Hall
no
texto
Quem precisa de identidade?,
questiona o conceito de identidade no universo contemporâneo, situando-o como
um fenômeno paradoxal e muito criticado por não atender novas perspectivas de
mundo. Hall propõe a desconstrução do conceito de identidade marcado pela
unificação e sugere o conceito de identificação, que abarca as facetas sociais,
apoiando-se no fenômeno da globalização e da migração no mundo contemporâneo provocador
de múltiplos questionamentos sobre quem somos. Pensar no que nos tornamos, como
nos representamos e como nos afeta esta representação tornou-se uma das
obsessões da pós modernidade, momento histórico em que o “eu” se assume como
performativo
. Assim,
para cada papel social há uma identificação.
Já na década de 1980 estudiosos como Barthes, Foucault, Lyotard e Derrida
focaram na semiologia e no pós-estruturalismo francês reorientando as pesquisas
na área da cultural. Analisaram os discursos e as sociedades sob as noções de
descentramento, sujeitos e experiências, o psicológico e a politização social.
Nos Estudos Culturais contemporâneos as questões das minorias e das periferias,
as diferenças dos discursos e a produção cultural estão
em debate. Portanto,
é colocado em pauta discussões segundo Prysthon
“[...] da identidade nacional, da representação social, da etnicidade, da
diferença e da subalternidade no centro da história da cultura mundial
contemporânea.” E neste contexto é dada a voz ao sujeito como interlocutor nos
processos culturais.
É pela voz do sujeito, na comunicação e nas mídias que o estudo avança
para a compreensão deste universo intenso, complexo e dinâmico, daí a
exploração dos causos e das lendas, do imaginário popular como força do
mitológico na cultura.
BOI-DE-MAMÃO: IDAS E VINDAS, HISTÓRIAS QUE
MIGRAM COM SEUS INTERLOCUTORES
A versão da lenda do Boi-de- Mamão analisada, foi coletada e transcrita
sob a metodologia de História Oral, a partir de uma entrevista com seu
Luiz
e
cotejada com os textos coletados por Cascudo, Azevedo e Pisani, objetivando mostrar as variações temporais e regionais da
lenda.
A lenda Boi-de-Mamão é desenvolvida a partir de um mito épico da morte e
ressurreição do boi e envolve dança e cantoria. As brincadeiras e folguedos
em torno do boi são encontradas em várias partes do Brasil e recebem diferentes
nomes. No norte e nordeste, é conhecida como Bumba-Meu-Boi ou Boi-Bumbá e no
litoral catarinense com o nome de Boi-de-Mamão.
Segundo o historiador José Arthur
Boiteux
,
a brincadeira era conhecida no litoral de Santa Catarina como Boi de Pano, mas
em certa ocasião foi utilizado um mamão verde para fazer a cabeça do boi,
originando o nome de Boi-de-Mamão. Hoje, usam-se cabeças de todos os tipos, até
de boi, menos de mamão.
O registro mais
antigo do folguedo, em Florianópolis, é de 1871.
Em suas memórias de menino, na cidade de São Francisco do Sul, Seu Luiz conta
a lenda Boi-de-Mamão. Seu Luiz lembra
que a história foi contada pelo seu pai e irmãos mais velhos e através de ritos
foi vivenciada por ele na infância, sempre no período da Páscoa.
Tenho várias, por exemplo, por exemplo a do boi-de-mamão.
Na nossa região é muito comum, a gente praticava, fiz vários brinquedos deste
quando pequeno, criança, ensinado pelos meus pais e pelos irmãos mais velhos. O
boi-de-mamão, conta a lenda que na época da páscoa, foi feito uma partilha, e
pegaram o boi mais bonito, o gado mais bonito do rebanho e mataram para distribuir
na festa. Mas ele era muito mimado e revoltou-se com a morte. - Não quero
morrer, não quero morrer. Mas finalmente foi morto e foi pra panela. Retalharam
todinho. E distribuíram a carne por toda a comunidade. Só como eu disse, ele
ficou revoltado. Eis que um dia todos se preparam para a festa depois que
comeram o boi, apareceu o espírito do boi na comunidade e fez um espalhafato,
como se diz lá na minha terra. E dava cabeçada em tudo é que é lado. E corria
atrás principalmente daqueles que comeram ele. Aí alguém teve uma ideia. - Opa!
Esse boi merece ficar na nossa saudade. Vamos fazer uma homenagem a ele. Alguém
correu no quintal, cortou um mamão verde, colocou um, espetou uns chifres,
colocou um [...] no lugar da orelha. Enfiou um cabo de vassoura, fez um mastro
e cobriu com pano e brincou ali embaixo como se fosse um boi-de-mamão. Um outro
sugeriu que o boi-de-mamão, só que não causava tanta alegria. Inclusive a
homenagem era em relação ao falecido que ficou revoltado com isso, né? Foi lá e
arranjou uma bernunça, pra ensinar que jacaré come criança, mais ou menos
parecido assim. Veio outro vestido de cabritinho. Outro de cavalinho. E outro
de cabrito. E hoje em dia tem esse folclore. Aí o pessoal fica assim com os
instrumentos guardado para a folia de reis e tambores, batucaram e deu no que
deu hoje em dia, esta festa bonita que tem. Dizem que tem em outras regiões,
mas a lenda da nossa região, que eu saiba que eu ouvia dos meus pais era essa.
Tudo tem que ter uma explicação.
Percebe-se, na versão de Seu Luiz, que o Boi-de-Mamão, é uma tradição
antecedida por uma preparação ritualística, uma cultura de identificação de um
povo com os bois, em comunidade católica. A lenda rememorada, revela o mito da
ressurreição de Cristo, representado com a morte e a ressurreição do boi. Na
história bíblica, segundo Marcos
,
Jesus Cristo antes do seu sacrifício, reuniu-se com os apóstolos para a última
ceia (Santa Ceia) e lá repartiu o pão e o vinho, representando o seu corpo e
sangue como alimento espiritual. Após, o ritual da Santa Ceia, Cristo foi
crucificado para a redenção dos pecados e salvação do povo. Esta representação
cristã e católica é vivenciada com o boi, que morre em sacrifício para ser
alimento do povo e trazer com a sua ressurreição o espírito de esperança, vida
nova e alegria aos festejos da páscoa.
Outra variante, da lenda do boi, circulante no litoral de Santa Catarina,
registrada por Pisani
acontece entre os meses de junho a agosto, período das festas dos santos
e
dos festejos da colheita. Nesta versão, conta a lenda, que o boi era de
estimação de Mateus, homem simples do interior da ilha. O boi comeu algo que
lhe faz mal e acabou morrendo. Desesperado, diante da morte do boi, seu dono
buscou ajuda do curandeiro para ressuscitá-lo. O boi ressuscitou, e toda a
freguesia festeja.
Nas vivências ritualísticas, desta variante do Boi-de-mamão, segue um
ritual descrito por Pisani
:
os grupos percorrem as ruas do bairro, e se apresentam em frente da casa
daquele que contribui com alguns trocados, o dono da casa é mencionado nos
versos. Em círculos
cantadores e tocadores, acompanham o
desfile. No desfile, aparece
no momento inicial, o boi sendo cutucado com uma
vara pelo seu dono, e este cai inerte. É chamado o feiticeiro ou o benzedor,
nesse ínterim, aparece um urubu para bicar o boi, em seguida o boi é benzido.
Após o benzimento o boi se levanta, momento em que a música recomeça e entra o
cavalinho para laçar o boi. Em cada cidade catarinense, segundo Pisani, outros
personagens são inseridos neste universo, como o cavalo marinho e o cachorro em
Laguna; o urso em Imaruí, Santo Amaro, Biguaçu, São José, Palhoça, e
Florianópolis; a Maricota em Florianópolis, São Francisco do Sul, Itajaí, Santa
Amaro e São José; o tigre em Florianópolis e a Bernúncia ou bernunça, um ser
fantástico, também aparece nestas apresentações.
No mundo simbólico que envolve o boi, cada personagem é um símbolo e tem
a sua representação social. Nesta versão, coletada por Pisani, o boi morre e é
ressuscitado por um feiticeiro ou benzedor (na crença popular o benzedor ou
feiticeiro utiliza a reza e as ervas para curar). O boi é um animal mitificado
porque ele é necessário à subsistência no meio rural, representa a força e o
auxílio na semeadura, colheita, produção e transporte. Quando o boi morre, ocorre
a quebra do ciclo natural e a ressurreição do boi é a representação do eterno
retorno deste ciclo natural.
Hoje, as apresentações dos folguedos de boi acontecem em eventos como o
carnaval e datas comemorativos como o Dia do folclore, no mês de agosto. Os integrantes
do grupo folclórico vestem fantasias e dão vida a diversos personagens, a
cantoria é acompanhada por três músicos que tocam pandeiro, violão, gaita e um
cantor que narra a história.
O folclorista Ricardo Azevedo recupera as representações do Bumba-meu-boi, originada no
Nordeste e disseminada pelo país, em torno da vida, morte e ressurreição do
boi. Segundo Azevedo esses folguedos acontecem entre os festejos de Natal e o
Dia de Reis, 6 de janeiro. Os personagens são humanos, animais e fantásticos. O
pesquisador ressalta que o Boi-de-Mamão, do litoral de SC, é uma versão do
Bumba-meu-boi.
No Pará e no Amazonas,
existe outra variação denominada boi-bumbá, festejada em
junho. Na cidade de Parintins, no Amazonas, o Boi-Bumbá atrai
atualmente milhares de pessoas. Ao contrário de outras regiões, onde existem
vários bois e a brincadeira não tem o caráter de competição, dois bois disputam
num festival e vence o melhor. O espetáculo acontece num bumbódromo, com
capacidade para 35 mil espectadores e 10 mil brincantes.
O folclorista Câmara Cascudo estudou o
Bumba-meu-boi, conhecido também como Boi Kalemba, Boi-Bumbá ou apenas Boi,
identificando-o como um auto popular do norte do Brasil em épocas de reisadas.
Segundo Cascudo “O Bumba-meu-boi é denominação mais conhecida e velha.
Diz-se no Rio Grande do Norte também Boi Kalemba e em todo nordeste, Boi. [...]
uma possível reminiscência das Tourinhas de Portugal”, contado pelo folclorista:
As tourinhas portuguesas
eram touradas de novilhas ou de fingimento. Nas primeiras toureavam animais
mansos, muito maiores exigências de coragem ágil. As de fingimentos, muito
populares, constavam de um arcabouço, de canastras de vime cobertas de pano,
com a cabeçorra do boi, ameaçante. Fingindo-o atacar, os rapazes eram
perseguidos, com rumor de alegria e algazarra coletiva. Pertencem ao minho
especialmente, uma das fontes altas de emigração para o Brasil. Provinha a
Tourinha, possivelmente, de um perdido entremez vilarengo, resistindo nas zonas
da pastorícia. Não havia cantiga nem dança.
Cascudo analisa que no Brasil houve uma alusão à Tourinha de
Portugal, sendo composto aqui, com a dança e a dramatização aparecendo os
vaqueiros negros e caboclos em cenas humorísticas de crítica social. O
folclorista então passa a fazer referencia a representações de bois como o Boeuf-gras de Paris coberto de flores, como também ao monólogo do
Vaqueiro de Gil Vicente de 1502 escrito por ocasião ao nascimento do príncipe
D. João. Associa-o ao boi de palha, na
Boêmia, Turgovia, Suábia, Baviera, Dijon, Pont-à-Mousson, Luneville, Turíngia,
Hungria e Zurich que utilizam o boi como representação da força criadora da
semente. Outra relação que estabelece é com o Boi Geroa dos africanos (Mossâmedes, Angola e Va-Nianecas) que
pode ser análoga ao Bumba-meu-boi das festas
de Natal e Reis Magos. O Boi de São Marcos em Portugal também desfila sobre
flores dentro da igreja ou em procissão ao Corpus Christi, sendo a
materialização popular do espírito da força obscura e fecunda da germinação.
Há também o boi que aparece no presépio de
Jesus Cristo da tradição católica. Segundo Santos A presença
obrigatória do boi e do burro tem finalidades simbólicas. “Corresponde a uma
interpretação patrística de duas profecias existentes na Bíblia: a de Isaias
1,3 ‘conhece o boi o seu patrão e o burro o estábulo de seu dono’ e a de
Habacuc 3,2, ‘em meio a dois animais te manifestarás’.” Sendo assim símbolos de
reconhecimento do Messias (Jesus) Santos também diz que o boi, é o povo de Israel, que levou o jugo da lei. E o
burro é o povo gentio, carregado de pecados e de idolatrias. Destes dois povos
nasceu a Igreja reconhecendo Jesus como seu
Senhor.
Cascudo registra uma versão
do Bumba-meu-boi, escrita em 1840, pelo frei Miguel
do Sacramento Lopes Gama:
Um negro
metido debaixo de uma baeta é o boi; um capadócio enfiado pelo fundo dum panacu
velho, chama-se o cavalo-marinho; outro, alapardado, sob lençóis, denomina-se
burrinha; um menino com duas saias, uma da cintura para baixo, outra da cintura
para cima, terminado para a cabeça com uma urupema, é o que se chama a caipora;
há além disto outro capadócio que se chama o pai Mateus. O sujeito do
cavalo-marinho é o senhor do boi, da burrinha, da caipora e do Mateus. Todo o
divertimento cifra-se em o dono de toda esta súcia fazer dançar ao som de
violas, pandeiros e de uma infernal berraria o tal bêbado Mateus, a burrinha, a
caipora e o boi, que com eleito é animal muito ligeiro, trêfego e bailarino.
Além disso o boi morre sempre, sem que nem ara que, e ressuscita por virtude de
um clister, que pespega o Mateus, cousa mui agradável e divertida para os
judiciosos espectadores.
E assim com o tempo e região, personagens
são incluídos ou retirados para atender a cultura de cada lugar e a lenda vai
adquirindo nomes, ritmos, formas de apresentação diferentes. No Maranhão, Rio Grande do Norte, Alagoas e Piauí é chamado bumba-meu-boi, no Pará e Amazonas é boi-bumbá ou pavulagem; em Pernambuco é boi-calemba ou bumbá; no Ceará é boi-de-reis, boi-surubim e
boi-zumbi; na Bahia é boi-janeiro, boi-estrela-do-mar, dromedário e
mulinha-de-ouro; no Paraná, em Santa Catarina é boi-de-mourão ou boi-de-mamão; em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Cabo Frio e Macaé (em Macaé há o famoso boi do Sadi) é
bumba ou folguedo-do-boi; no Espírito Santo é boi-de-reis; no Rio Grande do Sul é bumba,
boizinho, ou boi-mamão; em São Paulo é boi-de-jacá e dança-do-boi.
Cascudo apresenta também o
Boi-de-Mamão de Santa Catarina relatando alguns itens que compõe sua encenação:
“[...] é laçado pelo cavalo-marinho e não há a cena da morte, nem a parte viva
dos vaqueiros, improvisando todo o tempo.” Em seguida ele comenta sobre a
presença de damas e cavalheiros que rodam em torno do pau de fita, “[...] muito
comum nas danças de roda, para adultos, na Europa central e do norte. Esse ‘pau
de fita’ é um elemento tipicamente germânico dentro do brasileiríssimo
Boi-de-mamão.”
Por muito tempo o
Boi-de-Mamão fez parte de uma tradição das ruas da cidade de Joinville com o
objetivo proporcionar lazer aos moradores. Hoje, o Boi-de-Mamão é desenvolvido
em projetos culturais e apresentado em espaços como ancionatos, escolas e
praças. Grupos populares mantém essa tradição como: Grupo Folclórico Entre Parentes, nas suas encenações aparecem os personagens: Boi,
Cavalo-Marinho, Tirolesa, Vovô, Onça, Pau-de-Fita e Barão; o Grupo Folclórico Joinvilense apresenta os personagens cavalo marinho, boi, Tirolesa,
Vovô, Onça e Barão, com roda para mostrar as brincadeiras, danças e cantorias
do povo português. O caminhão do projeto conexão cultural representa a peça O
sumiço do Boi-de-mamão, mas essa tradição é também recuperada e reavivada
em projetos pedagógicos nas escolas como o da Escola Municipal Hermann Müller, Projeto
Boi-de-Mamão: aprendendo a preservar com alegria! Neste projeto o Grupo Folclórico Entre Parentes
desenvolveu oficinas para os alunos da escola que vivenciaram e produziram a
sua versão do Boi-de-Mamão com as peculiaridades da comunidade escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste exercício de análise da lenda Boi-de-mamão rememorada pelo migrante
joinvilense seu Luiz e cotejada com versões coletadas pelos pesquisadores
Azevedo, Pisani e Cascudo observou-se que as histórias migram com seus
interlocutores e através dos espaços, culturais e temporalidade apresentam
variações adaptando-se a estes espaços, mantendo uma representação social
cristã.
E nestas representações sociais no mundo contemporâneo cabe o termo
identificações proposto por Hall como forma de compreender estes espaços e
culturas e suas especificidades. Entre tantos símbolos e significados, a lenda do boi, em
suas variações de nomes, ritmos, ritos, personagens e enredos apresenta, segundo os folcloristas e estudiosos,
elementos míticos de representação econômica por intermédio de sátira do
cotidiano rural do trabalho da roça e da pecuária. As variações da lenda do boi cotejadas e
analisadas desvelam a presença de questões sociais, o dualismo entre o dono
branco e os negros escravos, índios, caboclos e atualmente projeta uma
manifestação de povo ligado às raízes rurais. O ritual ocorre em festejos
religiosos de tradição católica, festivais públicos e em projetos culturais que
visam preservar essa tradição que percorre o Brasil de Norte ao Sul, do
Nordeste ao Centro Oeste e ao Sudeste.
Enfim, através do simbólico narrado pela memória coletiva pode-se
analisar as representações sociais, observando que o conhecimento é produzido
pela interação da comunicação e sua expressão. E esta linguagem está ligada aos
interesses, desejos, satisfação, frustrações humanas. É no universo social, no
grupo com objetivos específicos em comum que é gerado o conhecimento com suas
simbologias. Nas relações estabelecidas na comunidade, nos objetos produzidos e
consumidos, no imaginário, símbolos e ritos que as práticas míticas se concretizam.
REFERÊNCIAS
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popular, literatura e formação de leitores. Revista Releitura. Publicação
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identidade?In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org). Identidade e Diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais.
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AZEVEDO. Ricardo. Cultura da Terra. São Paulo: Moderna, 2008. p.9. Livro que
apresenta uma pesquisa bibliográfica da cultura popular brasileira, com contos,
adivinhas, monstrengos, quadras e receitas, separadas por regiões.
AZEVEDO, Ricardo.
Conto popular, literatura e
formação de leitores. Revista Releitura. Publicação da Biblioteca
Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Abril, nº 21, 2007. Nasceu em São Paulo em 1949, é escritor, ilustrador e pesquisador
da cultura popular brasileira. Formou-se em comunicação visual e fez doutorado
em Teoria da Literatura
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA,
Tomaz Tadeu (org.) Identidade e
diferença: a perspectiva os estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
p.103.
Os
folguedos são festas populares cuja principal característica é a presença de
música, dança e representação teatral. Grande parte dos folguedos possui origem
religiosa e raízes culturais dos povos que formaram nossa cultura (africanos,
portugueses, indígenas). Muitos folguedos foram, com o passar dos anos,
incorporando mudanças culturais e adicionando, às festas, novas coreografias e
vestimentas. Embora ocorram em quase todo território brasileiro, é no Nordeste
que se fazem mais presentes.
CARNEIRO, Graça.
Boi-de-Mamão. Grupo Folclórico Infanto-Juvenil do Porto da Lagoa. Florianópolis,
Santa Catarina: Papa-livro, 2001.
O homem do campo, faz uma pausa em seus trabalhos e
se volta para Deus afim de pedir sua benção para a colheita . Usa para tal os
espíritos superiores como Santo Antônio, São João e São Pedro. Santo Antônio é o Santo mais
popular do Brasil e, também, é conhecido por ser o Padroeiro dos pobres, Santo
casamenteiro, sempre sendo invocado para se achar objetos perdidos é comemorado
no dia 13 de junho. São João é comemorado no dia 24 de junho com uma fogueira
para representar o seu nascimento. E no dia 29 de junho é comemorado o dia de
São Pedro o guardião das portas do céu é também
considerado o protetor das viúvas e dos pescadores. Como o dia 29 também
marca o encerramento das comemorações juninas.
PISANI, Osmar. Variações
lírico-pictóricas sobre o Boi-de-mamão. Florianópolis: Fundação Aníbal
Nunes Pires, 2003. p.10.
AZEVEDO, Ricardo. Meu Livro de Folclore. São Paulo:
Ática, 2002.
Reisado é
uma dança popular profano-religiosa, de origem portuguesa, com que se festeja a
véspera e o Dia de Reis ou
encenação de natal. No período de 24
de dezembro a 6 de janeiro, um grupo formado por músicos, cantores e dançarinos vão de porta em porta anunciando a
chegada do Messias e fazendo louvações aos donos das
casas por onde passam e dançam. Reisado também é muito conhecido como Folia de Reis.
Durante a pequena seca de julho e a grande seca de
agosto, saem em cortejo pelo país recebendo presentes em um ritual de dança e
uma música curta e repetitiva, mas o boi não dança.
CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3ªed. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: Universidade de São Paulo, 1984. p.427.