sábado, 17 de agosto de 2013

ARTIGO CIENTÍFICO PUBLICADO NO LIVRO DISCURSO, CIÊNCIA E CULTURA: CONHECIMENTO EM REDE



MOSAICO DE HISTÓRIAS NUMA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS CULTURAIS


                 Eliana Aparecida de Quadra Corrêa[1]
                 UNIVILLE

RESUMO: O artigo é um recorte da pesquisa sobre causos e lendas na voz do idoso que enfoca a cultura imaterial joinvilense. A literatura oral é investigada como representação social e literária sob a perspectiva dos Estudos Culturais tendo por base o conceito de “identificação” de Hall. A narrativa coletada da lenda Boi-de-mamão em Joinville, transcrita sob a metodologia da história oral foi cotejada com as variações da lenda encontradas na literatura oral por  Cascudo, Pisani e Azevedo. O objetivo da análise comparativa é demonstrar que cada variação da lenda apresenta especificações culturais associadas ao tempo e ao espaço em que é contada, mas que sua representação pode ser conservada em tempos e espaços com “identificações” diversas.

 PALAVRAS CHAVE: histórias que migram, lenda Boi-de-mamão, cultura imaterial joinvilense.


INTRODUÇÃO


O Brasil é um país imenso cheio de gente que viaja para lá e para cá. Muitas pessoas saem do Nordeste para viver no Pará, Santa Catarina, Tocantins, Rio de Janeiro, Rondônia, Amapá, Goiás e outros lugares. [...]Essas pessoas sempre partem com o sonho de construir uma vida melhor. Além de roupas e objetos pessoais, levam na bagagem sua cultura regional, ou seja, suas tradições, seu jeito de falar, as lembranças, as histórias que ouviram na infância, os versinhos e as adivinhas que aprenderam com os avós, as crenças, as brincadeiras e até o modo de preparar as comidas.

Ricardo Azevedo[2]

Azevedo observa que lendas da tradição oral passadas de boca em boca, transmitem memórias culturais de crenças, mitos e ritos, que são alterados e adaptados em função do contexto social.
A literatura oral nesta investigação é tratada como linguagem e como representação social, num cruzamento de uma narrativa coletada em Joinville com as variações registradas por Ricardo Azevedo, Câmara Cascudo e Osmar Pisani.
O substrato analisado é a lenda Boi-de-mamão colhida na entrevista com seu Luiz, migrante joinvilense, transcrita pela metodologia da história oral. Esta análise se sustenta no conceito de mito na perspectiva dos estudos de Eliade (1907 – 1986) e de Azevedo (1949).
Segundo o mitólogo Eliade[3] “[...] os mitos revelam que o mundo, o homem e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que essa história é significativa, preciosa e exemplar.” Para ele o mito é vital a civilização humana, é uma realidade viva, uma sabedoria popular. E o seu conhecimento auxilia em entender o sentido dos rituais e da moral exposta por ele.
 Eliade[4] comenta que: “Trata-se, contudo, sempre de um ciclo, isto é, de uma duração temporal que tem um começo e um fim. Ora, no fim de um ciclo e no início do ciclo seguinte, realiza-se uma série de rituais que visam a renovação do Mundo.”
 O folclorista brasileiro Azevedo, acredita que muitas narrativas míticas, das mais diversas culturas, teriam sofrido um processo de dessacralização, com o passar do tempo, deixaram de ser interpretadas com fé religiosa, sendo este um dos fios condutores desse imaginário. As lendas, mitos, ritos por carregarem valores que identificam com variadas culturas continuam a ser contadas e, de boca em boca, sofrem múltiplas alterações e influências.
As histórias da cultura oral se perpetuam através dos séculos pelas memórias e pelas vozes, e no decorrer do tempo, como afirma Azevedo “[...] sofreram todo tipo de modificação: fusões, acréscimos, cortes, substituições e influências. Em tese, numa simplificação, de um mesmo mito (narrativa sagrada arcaica) europeu, por exemplo, podem ter surgido infindáveis e variadas histórias, marcadas pelas diversas culturas.” [5] E este mosaico de histórias tornou-se rico e multifacetado, em uma complexidade em suas possíveis origens e variações.
GENEALOGIA DOS ESTUDOS CULTURAIS

Para entender a cultura imaterial como representação social buscou-se uma genealogia dos estudos culturais traçado por Prysthon[6] que evidencia a dinâmica da cultura.
A partir da metade da década de 1950, na Grã-bretanha, E.R. Leavis busca disseminar o capital cultural através do sistema educacional difundindo a cultura literária canonizada. Em contrapartida, Richard Hoggart e Raymond Williams trabalharam com a ideia da cultura de massa como formas culturais compartilhadas pelas classes trabalhadoras. No final da década de 1960 Thompson citado por Prysthon[7] “[...] vai argumentar que a identidade da classe operária vai ter sempre um componente político e conflitual, independente de valores e interesses culturais particulares.”
Com a fundação do Centro de Estudos Culturais na Universidade de Birmingham, jovens teóricos operaram novas relações entre a cultura contemporânea e a sociedade e a cultura de massa e assim, as políticas da cultura passam a ser foco de pesquisas.
Numa abordagem estruturalista Stuart Hall enfoca as práticas significantes e os processos discursivos. Hall[8] no texto Quem precisa de identidade?, questiona o conceito de identidade no universo contemporâneo, situando-o como um fenômeno paradoxal e muito criticado por não atender novas perspectivas de mundo. Hall propõe a desconstrução do conceito de identidade marcado pela unificação e sugere o conceito de identificação, que abarca as facetas sociais, apoiando-se no fenômeno da globalização e da migração no mundo contemporâneo provocador de múltiplos questionamentos sobre quem somos. Pensar no que nos tornamos, como nos representamos e como nos afeta esta representação tornou-se uma das obsessões da pós modernidade, momento histórico em que o “eu” se assume como performativo[9]. Assim, para cada papel social há uma identificação.
Já na década de 1980 estudiosos como Barthes, Foucault, Lyotard e Derrida focaram na semiologia e no pós-estruturalismo francês reorientando as pesquisas na área da cultural. Analisaram os discursos e as sociedades sob as noções de descentramento, sujeitos e experiências, o psicológico e a politização social.
Nos Estudos Culturais contemporâneos as questões das minorias e das periferias, as diferenças dos discursos e a produção cultural estão em debate. Portanto, é colocado em pauta discussões segundo Prysthon[10] “[...] da identidade nacional, da representação social, da etnicidade, da diferença e da subalternidade no centro da história da cultura mundial contemporânea.” E neste contexto é dada a voz ao sujeito como interlocutor nos processos culturais.
É pela voz do sujeito, na comunicação e nas mídias que o estudo avança para a compreensão deste universo intenso, complexo e dinâmico, daí a exploração dos causos e das lendas, do imaginário popular como força do mitológico na cultura.


BOI-DE-MAMÃO: IDAS E VINDAS, HISTÓRIAS QUE MIGRAM COM SEUS INTERLOCUTORES


A versão da lenda do Boi-de- Mamão analisada, foi coletada e transcrita sob a metodologia de História Oral, a partir de uma entrevista  com  seu Luiz[11] e cotejada com os textos coletados por Cascudo, Azevedo e Pisani, objetivando  mostrar as variações temporais e regionais da lenda.
A lenda Boi-de-Mamão é desenvolvida a partir de um mito épico da morte e ressurreição do boi e envolve dança e cantoria. As brincadeiras e folguedos[12] em torno do boi são encontradas em várias partes do Brasil e recebem diferentes nomes. No norte e nordeste, é conhecida como Bumba-Meu-Boi ou Boi-Bumbá e no litoral catarinense com o nome de Boi-de-Mamão. Segundo o historiador José Arthur Boiteux[13], a brincadeira era conhecida no litoral de Santa Catarina como Boi de Pano, mas em certa ocasião foi utilizado um mamão verde para fazer a cabeça do boi, originando o nome de Boi-de-Mamão. Hoje, usam-se cabeças de todos os tipos, até de boi, menos de mamão. O registro mais antigo do folguedo, em Florianópolis, é de 1871.
Em suas memórias de menino, na cidade de São Francisco do Sul, Seu Luiz conta a lenda Boi-de-Mamão.  Seu Luiz lembra que a história foi contada pelo seu pai e irmãos mais velhos e através de ritos foi vivenciada por ele na infância, sempre no período da Páscoa.

Tenho várias, por exemplo, por exemplo a do boi-de-mamão. Na nossa região é muito comum, a gente praticava, fiz vários brinquedos deste quando pequeno, criança, ensinado pelos meus pais e pelos irmãos mais velhos. O boi-de-mamão, conta a lenda que na época da páscoa, foi feito uma partilha, e pegaram o boi mais bonito, o gado mais bonito do rebanho e mataram para distribuir na festa. Mas ele era muito mimado e revoltou-se com a morte. - Não quero morrer, não quero morrer. Mas finalmente foi morto e foi pra panela. Retalharam todinho. E distribuíram a carne por toda a comunidade. Só como eu disse, ele ficou revoltado. Eis que um dia todos se preparam para a festa depois que comeram o boi, apareceu o espírito do boi na comunidade e fez um espalhafato, como se diz lá na minha terra. E dava cabeçada em tudo é que é lado. E corria atrás principalmente daqueles que comeram ele. Aí alguém teve uma ideia. - Opa! Esse boi merece ficar na nossa saudade. Vamos fazer uma homenagem a ele. Alguém correu no quintal, cortou um mamão verde, colocou um, espetou uns chifres, colocou um [...] no lugar da orelha. Enfiou um cabo de vassoura, fez um mastro e cobriu com pano e brincou ali embaixo como se fosse um boi-de-mamão. Um outro sugeriu que o boi-de-mamão, só que não causava tanta alegria. Inclusive a homenagem era em relação ao falecido que ficou revoltado com isso, né? Foi lá e arranjou uma bernunça, pra ensinar que jacaré come criança, mais ou menos parecido assim. Veio outro vestido de cabritinho. Outro de cavalinho. E outro de cabrito. E hoje em dia tem esse folclore. Aí o pessoal fica assim com os instrumentos guardado para a folia de reis e tambores, batucaram e deu no que deu hoje em dia, esta festa bonita que tem. Dizem que tem em outras regiões, mas a lenda da nossa região, que eu saiba que eu ouvia dos meus pais era essa. Tudo tem que ter uma explicação.

Percebe-se, na versão de Seu Luiz, que o Boi-de-Mamão, é uma tradição antecedida por uma preparação ritualística, uma cultura de identificação de um povo com os bois, em comunidade católica. A lenda rememorada, revela o mito da ressurreição de Cristo, representado com a morte e a ressurreição do boi. Na história bíblica, segundo Marcos[14], Jesus Cristo antes do seu sacrifício, reuniu-se com os apóstolos para a última ceia (Santa Ceia) e lá repartiu o pão e o vinho, representando o seu corpo e sangue como alimento espiritual. Após, o ritual da Santa Ceia, Cristo foi crucificado para a redenção dos pecados e salvação do povo. Esta representação cristã e católica é vivenciada com o boi, que morre em sacrifício para ser alimento do povo e trazer com a sua ressurreição o espírito de esperança, vida nova e alegria aos festejos da páscoa.
Outra variante, da lenda do boi, circulante no litoral de Santa Catarina, registrada por Pisani[15] acontece entre os meses de junho a agosto, período das festas dos santos[16] e dos festejos da colheita. Nesta versão, conta a lenda, que o boi era de estimação de Mateus, homem simples do interior da ilha. O boi comeu algo que lhe faz mal e acabou morrendo. Desesperado, diante da morte do boi, seu dono buscou ajuda do curandeiro para ressuscitá-lo. O boi ressuscitou, e toda a freguesia festeja. 
Nas vivências ritualísticas, desta variante do Boi-de-mamão, segue um ritual descrito por Pisani[17]: os grupos percorrem as ruas do bairro, e se apresentam em frente da casa daquele que contribui com alguns trocados, o dono da casa é mencionado nos versos. Em círculos  cantadores e tocadores, acompanham o desfile.  No desfile, aparece no momento inicial, o boi sendo cutucado com uma vara pelo seu dono, e este cai inerte. É chamado o feiticeiro ou o benzedor, nesse ínterim, aparece um urubu para bicar o boi, em seguida o boi é benzido. Após o benzimento o boi se levanta, momento em que a música recomeça e entra o cavalinho para laçar o boi. Em cada cidade catarinense, segundo Pisani, outros personagens são inseridos neste universo, como o cavalo marinho e o cachorro em Laguna; o urso em Imaruí, Santo Amaro, Biguaçu, São José, Palhoça, e Florianópolis; a Maricota em Florianópolis, São Francisco do Sul, Itajaí, Santa Amaro e São José; o tigre em Florianópolis e a Bernúncia ou bernunça, um ser fantástico, também aparece nestas apresentações.
No mundo simbólico que envolve o boi, cada personagem é um símbolo e tem a sua representação social. Nesta versão, coletada por Pisani, o boi morre e é ressuscitado por um feiticeiro ou benzedor (na crença popular o benzedor ou feiticeiro utiliza a reza e as ervas para curar). O boi é um animal mitificado porque ele é necessário à subsistência no meio rural, representa a força e o auxílio na semeadura, colheita, produção e transporte. Quando o boi morre, ocorre a quebra do ciclo natural e a ressurreição do boi é a representação do eterno retorno deste ciclo natural.
Hoje, as apresentações dos folguedos de boi acontecem em eventos como o carnaval e datas comemorativos como o Dia do folclore, no mês de agosto. Os integrantes do grupo folclórico vestem fantasias e dão vida a diversos personagens, a cantoria é acompanhada por três músicos que tocam pandeiro, violão, gaita e um cantor que narra a história.
O folclorista Ricardo[18] Azevedo recupera as representações do Bumba-meu-boi, originada no Nordeste e disseminada pelo país, em torno da vida, morte e ressurreição do boi. Segundo Azevedo esses folguedos acontecem entre os festejos de Natal e o Dia de Reis, 6 de janeiro. Os personagens são humanos, animais e fantásticos. O pesquisador ressalta que o Boi-de-Mamão, do litoral de SC, é uma versão do Bumba-meu-boi.
No Pará e no Amazonas, existe outra variação denominada boi-bumbá, festejada em junho. Na cidade de Parintins, no Amazonas, o Boi-Bumbá atrai atualmente milhares de pessoas. Ao contrário de outras regiões, onde existem vários bois e a brincadeira não tem o caráter de competição, dois bois disputam num festival e vence o melhor. O espetáculo acontece num bumbódromo, com capacidade para 35 mil espectadores e 10 mil brincantes.
O folclorista Câmara Cascudo estudou o Bumba-meu-boi, conhecido também como Boi Kalemba, Boi-Bumbá ou apenas Boi, identificando-o como um auto popular do norte do Brasil em épocas de reisadas[19].
Segundo Cascudo[20] “O Bumba-meu-boi é denominação mais conhecida e velha. Diz-se no Rio Grande do Norte também Boi Kalemba e em todo nordeste, Boi. [...] uma possível reminiscência das Tourinhas de Portugal”, contado pelo folclorista[21]:
As tourinhas portuguesas eram touradas de novilhas ou de fingimento. Nas primeiras toureavam animais mansos, muito maiores exigências de coragem ágil. As de fingimentos, muito populares, constavam de um arcabouço, de canastras de vime cobertas de pano, com a cabeçorra do boi, ameaçante. Fingindo-o atacar, os rapazes eram perseguidos, com rumor de alegria e algazarra coletiva. Pertencem ao minho especialmente, uma das fontes altas de emigração para o Brasil. Provinha a Tourinha, possivelmente, de um perdido entremez vilarengo, resistindo nas zonas da pastorícia. Não havia cantiga nem dança.

Cascudo[22] analisa que no Brasil houve uma alusão à Tourinha de Portugal, sendo composto aqui, com a dança e a dramatização aparecendo os vaqueiros negros e caboclos em cenas humorísticas de crítica social. O folclorista então passa a fazer referencia a representações de bois como o Boeuf-gras[23] de Paris coberto de flores, como também ao monólogo do Vaqueiro de Gil Vicente de 1502 escrito por ocasião ao nascimento do príncipe D. João.  Associa-o ao boi de palha, na Boêmia, Turgovia, Suábia, Baviera, Dijon, Pont-à-Mousson, Luneville, Turíngia, Hungria e Zurich que utilizam o boi como representação da força criadora da semente. Outra relação que estabelece é com o Boi Geroa[24] dos africanos (Mossâmedes, Angola e Va-Nianecas) que pode ser análoga ao Bumba-meu-boi das festas de Natal e Reis Magos. O Boi de São Marcos em Portugal também desfila sobre flores dentro da igreja ou em procissão ao Corpus Christi, sendo a materialização popular do espírito da força obscura e fecunda da germinação.
Há também o boi que aparece no presépio de Jesus Cristo da tradição católica. Segundo Santos[25] A presença obrigatória do boi e do burro tem finalidades simbólicas. “Corresponde a uma interpretação patrística de duas profecias existentes na Bíblia: a de Isaias 1,3 ‘conhece o boi o seu patrão e o burro o estábulo de seu dono’ e a de Habacuc 3,2, ‘em meio a dois animais te manifestarás’.” Sendo assim símbolos de reconhecimento do Messias (Jesus) Santos também diz que o boi, é o povo de Israel, que levou o jugo da lei. E o burro é o povo gentio, carregado de pecados e de idolatrias. Destes dois povos nasceu a Igreja reconhecendo Jesus como seu Senhor.
Cascudo[26] registra uma versão do Bumba-meu-boi, escrita em 1840, pelo frei Miguel do Sacramento Lopes Gama:
Um negro metido debaixo de uma baeta é o boi; um capadócio enfiado pelo fundo dum panacu velho, chama-se o cavalo-marinho; outro, alapardado, sob lençóis, denomina-se burrinha; um menino com duas saias, uma da cintura para baixo, outra da cintura para cima, terminado para a cabeça com uma urupema, é o que se chama a caipora; há além disto outro capadócio que se chama o pai Mateus. O sujeito do cavalo-marinho é o senhor do boi, da burrinha, da caipora e do Mateus. Todo o divertimento cifra-se em o dono de toda esta súcia fazer dançar ao som de violas, pandeiros e de uma infernal berraria o tal bêbado Mateus, a burrinha, a caipora e o boi, que com eleito é animal muito ligeiro, trêfego e bailarino. Além disso o boi morre sempre, sem que nem ara que, e ressuscita por virtude de um clister, que pespega o Mateus, cousa mui agradável e divertida para os judiciosos espectadores.

E assim com o tempo e região, personagens são incluídos ou retirados para atender a cultura de cada lugar e a lenda vai adquirindo nomes, ritmos, formas de apresentação diferentes. No Maranhão, Rio Grande do Norte, Alagoas e Piauí é chamado bumba-meu-boi, no Pará e Amazonas é boi-bumbá ou pavulagem; em Pernambuco é boi-calemba ou bumbá; no Ceará é boi-de-reis, boi-surubim e boi-zumbi; na Bahia é boi-janeiro, boi-estrela-do-mar, dromedário e mulinha-de-ouro; no Paraná, em Santa Catarina é boi-de-mourão ou boi-de-mamão; em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Cabo Frio e Macaé (em Macaé há o famoso boi do Sadi) é bumba ou folguedo-do-boi; no Espírito Santo é boi-de-reis; no Rio Grande do Sul é bumba, boizinho, ou boi-mamão; em São Paulo é boi-de-jacá e dança-do-boi.
Cascudo[27] apresenta também o Boi-de-Mamão de Santa Catarina relatando alguns itens que compõe sua encenação: “[...] é laçado pelo cavalo-marinho e não há a cena da morte, nem a parte viva dos vaqueiros, improvisando todo o tempo.” Em seguida ele comenta sobre a presença de damas e cavalheiros que rodam em torno do pau de fita, “[...] muito comum nas danças de roda, para adultos, na Europa central e do norte. Esse ‘pau de fita’ é um elemento tipicamente germânico dentro do brasileiríssimo Boi-de-mamão.”
Por muito tempo o Boi-de-Mamão fez parte de uma tradição das ruas da cidade de Joinville com o objetivo proporcionar lazer aos moradores. Hoje, o Boi-de-Mamão é desenvolvido em projetos culturais e apresentado em espaços como ancionatos, escolas e praças. Grupos populares mantém essa tradição como: Grupo Folclórico Entre Parentes[28], nas  suas encenações aparecem os personagens: Boi, Cavalo-Marinho, Tirolesa, Vovô, Onça, Pau-de-Fita e Barão;  o Grupo Folclórico Joinvilense[29] apresenta os personagens cavalo marinho, boi, Tirolesa, Vovô, Onça e Barão, com roda para mostrar as brincadeiras, danças e cantorias do povo português. O caminhão do projeto conexão cultural[30] representa a peça O sumiço do Boi-de-mamão, mas essa tradição é também recuperada e reavivada em projetos pedagógicos nas escolas como o da Escola Municipal Hermann Müller[31], Projeto Boi-de-Mamão: aprendendo a preservar com alegria! Neste projeto o Grupo Folclórico Entre Parentes desenvolveu oficinas para os alunos da escola que vivenciaram e produziram a sua versão do Boi-de-Mamão com as peculiaridades da comunidade escolar.




CONSIDERAÇÕES FINAIS


Neste exercício de análise da lenda Boi-de-mamão rememorada pelo migrante joinvilense seu Luiz e cotejada com versões coletadas pelos pesquisadores Azevedo, Pisani e Cascudo observou-se que as histórias migram com seus interlocutores e através dos espaços, culturais e temporalidade apresentam variações adaptando-se a estes espaços, mantendo uma representação social cristã.
E nestas representações sociais no mundo contemporâneo cabe o termo identificações proposto por Hall como forma de compreender estes espaços e culturas e suas especificidades. Entre tantos símbolos e significados, a lenda do boi, em suas variações de nomes, ritmos, ritos, personagens e enredos apresenta, segundo os folcloristas e estudiosos, elementos míticos de representação econômica por intermédio de sátira do cotidiano rural do trabalho da roça e da pecuária.  As variações da lenda do boi cotejadas e analisadas desvelam a presença de questões sociais, o dualismo entre o dono branco e os negros escravos, índios, caboclos e atualmente projeta uma manifestação de povo ligado às raízes rurais. O ritual ocorre em festejos religiosos de tradição católica, festivais públicos e em projetos culturais que visam preservar essa tradição que percorre o Brasil de Norte ao Sul, do Nordeste ao Centro Oeste e ao Sudeste.  
Enfim, através do simbólico narrado pela memória coletiva pode-se analisar as representações sociais, observando que o conhecimento é produzido pela interação da comunicação e sua expressão. E esta linguagem está ligada aos interesses, desejos, satisfação, frustrações humanas. É no universo social, no grupo com objetivos específicos em comum que é gerado o conhecimento com suas simbologias. Nas relações estabelecidas na comunidade, nos objetos produzidos e consumidos, no imaginário, símbolos e ritos que as práticas míticas se concretizam.



REFERÊNCIAS


AZEVEDO, Ricardo.  Conto popular, literatura e formação de leitores. Revista Releitura. Publicação da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Abril, nº 21, 2007.

AZEVEDO. Ricardo. Cultura da Terra. São Paulo: Moderna, 2008.

AZEVEDO, Ricardo. Meu Livro de Folclore. São Paulo: Ática, 2002.

BÍBLIA SAGRADA. Trad. Monges de Maredsous. 120ª ed. São Paulo: AM edições, 1998. p.1341.

CARNEIRO, Graça.  Boi-de-Mamão. Grupo Folclórico Infanto-Juvenil do Porto da Lagoa. Florianópolis, Santa Catarina: Papa-livro, 2001.

CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3ªed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1984.

CIDADE CULTURAL. Apresentação de Bai-de-mamão, em Joinville. Disponível em:<http://cidadecultural.blogspot.com/2007/07/apresentao-de-boi-de-mamo-de joinville.html> Acesso em: 27/07/2011.

ESCOLA HERMANN MULLER. Boi-de-mamão: Aprendendo a preservar com alegria! Disponível em:< http://escolahermannmuller.blogspot.com/2009/11/boi-de-mamao-aprendendo-preservar-com.html> Acesso em: 27/07/2011.

HALL, Stuart. Quem precisa de identidade?In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org). Identidade e Diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

PISANI, Osmar. Variações lírico-pictóricas sobre o Boi-de-mamão. Florianópolis: Fundação Aníbal Nunes Pires, 2003.


PORTAL JOINVILLE. Projeto Conexão cultural chega 


[1] Mestranda em Patrimônio Cultural e Sociedade da UNIVILLE, com a orientação da professora Dr.ª Taiza Mara Rauen Moraes. Graduada em Letras e Pedagogia e especialização em Gestão escolar e Metodologia da Língua Portuguesa. Professora de Língua Portuguesa e Literatura e Coordenadora do Setor Infanto-juvenil da Biblioteca Pública Prefeito Rolf Colin de Joinville, e-mail: franciscoeliana@hotmail.com.
[2] AZEVEDO. Ricardo. Cultura da Terra. São Paulo: Moderna, 2008. p.9. Livro que apresenta uma pesquisa bibliográfica da cultura popular brasileira, com contos, adivinhas, monstrengos, quadras e receitas, separadas por regiões.
[3] ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. p.22. Mircea Eliade nascido em Bucareste, Romênia em 1907 e faleceu em 1986, é um importante mitólogo da atualidade escrevendo sobre o mito com uma exposição histórica e filosófica e empreendeu sobre a linguagem simbólica das diversas tradições religiosas.
[4] ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. p.44.
[5] AZEVEDO, Ricardo.  Conto popular, literatura e formação de leitores. Revista Releitura. Publicação da Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Abril, nº 21, 2007. Nasceu em São Paulo em 1949, é escritor, ilustrador e pesquisador da cultura popular brasileira. Formou-se em comunicação visual e fez doutorado em Teoria da Literatura
[6] PRYSTHON, Ângela. Estudos Culturais: uma (In) Disciplina. Comunicação e espaço público, ano VI, nº 1 e 2, 2003. p. 135. Disponível em: acesso em 09/02/2007.
[7] PRYSTHON, Ângela. Estudos Culturais: uma (In) Disciplina. Comunicação e espaço público, ano VI, nº 1 e 2, 2003. p. 135. Disponível em: acesso em 09/02/2007.
[8] HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu (org.) Identidade e diferença: a perspectiva os estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p.103.
[9] É um “eu” transcendental com vários representações  papéis sociais. São vários “eus”  dentro de um sujeito para representar cada momento ou espaço. O eu mãe, filha, esposa, profissional.
[10] PRYSTHON, Ângela. Estudos Culturais: uma (In) Disciplina. Comunicação e espaço público, ano VI, nº 1 e 2, 2003. p. 138. Disponível em: acesso em 09/02/2007.
[11] Luiz Diomedes do Nascimento, migrante de São Francisco do Sul, trabalha na Biblioteca Pública Municipal Prefeito Rolf Colin de Joinville, SC.
[12] Os folguedos são festas populares cuja principal característica é a presença de música, dança e representação teatral. Grande parte dos folguedos possui origem religiosa e raízes culturais dos povos que formaram nossa cultura (africanos, portugueses, indígenas). Muitos folguedos foram, com o passar dos anos, incorporando mudanças culturais e adicionando, às festas, novas coreografias e vestimentas. Embora ocorram em quase todo território brasileiro, é no Nordeste que se fazem mais presentes.
[13]CARNEIRO, Graça.  Boi-de-Mamão. Grupo Folclórico Infanto-Juvenil do Porto da Lagoa. Florianópolis, Santa Catarina: Papa-livro, 2001.
[14] BÍBLIA SAGRADA. Trad. Monges de Maredsous. 120ª ed. São Paulo: AM edições, 1998. p.1341 Sobre a santa ceia em Mc 14,12-25.
[15] PISANI, Osmar. Variações lírico-pictóricas sobre o Boi-de-mamão. Florianópolis: Fundação Aníbal Nunes Pires, 2003. p.10.
[16] O homem do campo, faz uma pausa em seus trabalhos e se volta para Deus afim de pedir sua benção para a colheita . Usa para tal os espíritos superiores como  Santo Antônio, São João e São Pedro. Santo Antônio é o Santo mais popular do Brasil e, também, é conhecido por ser o Padroeiro dos pobres, Santo casamenteiro, sempre sendo invocado para se achar objetos perdidos é comemorado no dia 13 de junho. São João é comemorado no dia 24 de junho com uma fogueira para representar o seu nascimento. E no dia 29 de junho é comemorado o dia de São Pedro o guardião das portas do céu é também considerado o protetor das viúvas e dos pescadores. Como o dia 29 também marca o encerramento das comemorações juninas.
[17] PISANI, Osmar. Variações lírico-pictóricas sobre o Boi-de-mamão. Florianópolis: Fundação Aníbal Nunes Pires, 2003. p.10.
[18] AZEVEDO, Ricardo. Meu Livro de Folclore. São Paulo: Ática, 2002.
[19] Reisado é uma dança popular profano-religiosa, de origem portuguesa, com que se festeja a véspera e o  Dia de Reis ou encenação de natal. No período de 24 de dezembro a 6 de janeiro, um grupo formado por músicos, cantores e dançarinos vão de porta em porta anunciando a chegada do Messias e fazendo louvações aos donos das casas por onde passam e dançam. Reisado também é muito conhecido como Folia de Reis.
[20] CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3ªed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1984. p. 421. Cascudo analisa o Bumba-meu-boi como um hibridismo, pois bumba é do congolês e significa pancada, golpe, batida. Bate, meu boi referente as chifradas e arremessos.
[21] CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3ªed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1984. p. 422.
[22] CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3ªed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1984. p. 422-424.
[23] Boeuf-gras em Paris era um cortejo em forma de festa como objetivo de sátira social. Visto por Cascudo como um ancestral do Bumba-meu-boi datado entre 1800 a 1900.
[24] Durante a pequena seca de julho e a grande seca de agosto, saem em cortejo pelo país recebendo presentes em um ritual de dança e uma música curta e repetitiva, mas o boi não dança.
[25] SANTOS, Fernando S. dos. Um boi e um burro no presépio, por quê? Disponível em:<  www.catedralsaomiguel.org.br > Acesso em: 27/07/2011.
[26] CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3ªed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1984. p.427.
[27] CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 3ªed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Universidade de São Paulo, 1984. p.431.
[28]CIDADE CULTURAL. Apresentação de Bai-de-mamão, em Joinville. Disponível em:<  http://cidadecultural.blogspot.com/2007/07/apresentao-de-boi-de-mamo-de-joinville.html> Acesso em: 27/07/2011. O grupo folclórico “Entre Parentes” foi criado em 20 de dezembro de 1997, por quatro irmãos da família Quintino, que tinham a vontade de fazer renascer o folclore do Boi-de-Mamão. Hoje, o grupo contabiliza 20 integrantes.  Na encenação aparecem os personagens como Boi, Cavalo-Marinho, Tirolesa, Vovô, Onça, Pau-de-Fita e Barão. O grupo “Entre Parentes” está há 10 anos difundido a cultura regional e tem sua sede em Joinville. Há dois anos, com o apoio da Fundação Cultural de Joinville, o grupo alegra muitas festas e entidades sociais, trabalhando também com ensinamentos em escolas da cidade, com o intuito de apresentar a cultura do Boi-de-Mamão.
[29] PORTAL JOINVILLE. Sábado na estação foi um sucesso. Disponível em:< http://www.portaljoinville.com.br> Acesso em: 27/07/2011.
[30] PORTAL JOINVILLE. Projeto Conexão cultural chega em Joinville. Disponível em:<   http://www.portaljoinville.com.br> Acesso em: 27/07/2011. O caminhão visita várias cidades para alegrar toda família. O caminhão do projeto Conexão Cultural Tigre/ICRH estaciona em Praças com muitas brincadeiras, apresentações teatrais e cinema. Em sua 3ª edição, o projeto já acumula mais de 200 apresentações culturais e intervenções artísticas em todo país.
[31]ESCOLA HERMANN MULLER. Boi-de-mamão: Aprendendo a preservar com alegria! Disponível em:< http://escolahermannmuller.blogspot.com/2009/11/boi-de-mamao-aprendendo-preservar-com.html> Acesso em: 27/07/2011. A Escola Municipal Hermann Müller localiza-se na área rural do município de Joinville, do estado de Santa Catarina. Sua missão é promover projetos e vivências através de uma aprendizagem voltada a ecologia, cultura e afetividade.