domingo, 28 de abril de 2013

Texto: O Mendigo de Eliana Ap. de Quadra Corrêa

Publicação no jornal Notícias do dia, na página da Confraria do Escritor no dia 27 e 28 de abril de 2013, do texto: O mendigo de Eliana Ap. de Quadra Corrêa.







O mendigo

- Oi, posso ler um gibi?
- Sim, claro?
Este foi o primeiro contato entre a atendente da biblioteca e o mendigo.
A pequena sala que compunha o setor infanto-juvenil repleta de livros infantis, juvenis, revistas e gibis.
- Gosto muito de ler.
Falou o mendigo depois de um silencioso momento de escolha de seu gibi. Enquanto a atendente quieta observava-o pensando.
-Será o que ele veio fazer aqui? Está tão mal vestido, com aparência que não se aceava fazia tempo. Mas respondeu cordialmente:
- Gosta de ler, que bom! O que você mais gosta de ler?
E o mendigo após manusear seu tesouro encontrado, pediu:
- Posso sentar nas almofadas?
A biblioteca tinha tapete e almofadas, para os leitores se sentirem a vontade em suas leituras, principalmente as crianças.
- Sim, claro!
Respondeu a atendente.
- Há, você me perguntou o que gosto de ler, né?
- Sim.
- Bem, gosto muito de gibi, mas leio de tudo um pouco, gosto de me informar e de livros. Mas como moro na rua, não tenho como ter livros comigo, pois vivo andando por aí, levo pouca coisa, pouco peso. Então venho à biblioteca para ler.
Depois do comentário se debruçou a ler o gibi.
A atendente também continuou suas leituras, arrumações de livros na estante. Até que o mendigo puxou conversa:
- Sabe, quando pequeno não gostava de estudar, fugia da escola e ia brincar de tomar banho no rio. Minha família era muito pobre eu não tinha roupa boa, ia mal vestido e eu não me sentia bem. Então preferia não ir.
Nisso a atendente, curiosa com o que o mendigo estava contando perguntou:
- E você não terminou os estudos?
- Não! Respondeu o mendigo.
- Eu acabei ficando louco, fora de mim quando minha mãe e meu pai morreram e acabei fugindo de casa vim parar na rua. E nunca mais voltei.
- E você nunca pensou em voltar a estudar?
Perguntou a atendente.
- Não! Não tive mais tempo, tive que correr atrás do pão. E o estudo ficou para trás. Tive contato com má companhia, acabei viciado. Sabe eu às vezes bebo tanto que um dia depois de meus goles, resolvi ir andar de barco para pescar. Lá pelas tantas a noite caiu e como voltar para a margem. Tava tonto, estava muito escuro, mas consegui ainda pensar. Para voltar à margem tinha que observar as ondas para que lado elas iam. Com isso fui remando, remando e cheguei à margem.
- Nossa, eu não iria pensar nisso se eu estivesse nessa situação!
Disse a atendente ao ouvi-lo.
- Pois é, só quando cheguei a margem é que vi um monte de águas vivas brilhando na água e me joguei para tocá-las e me vi envolto pelas águas vivas e nadava e nadava. Foi a sensação mais extraordinária que já senti em toda a minha vida. E dali não queria mais sair. A margem, pessoas gritavam:
- Sai daí, tá louco.
- E eu só saí quando me tiraram a força. Eu estava alucinado, louco mesmo.
- Nossa e você não se queimou com as águas vivas?
- Não! Não me queimei. Pois é, vou ler um pouco.
- Sim, claro!
Enquanto lia, um sorriso esboçava em seu rosto. Alguns risos de vez em quando surgiam ao se deleitar nas profundezas do gibi.
E a atendente admirada observava aquela leitura deliciosa de um mendigo que naquele momento preferiu a leitura ao gole de cachaça. E todo aquele primeiro contato o qual notou apenas a aparência do mendigo. Agora só conseguia ver um leitor, que procura a leitura pelo simples prazer que ela lhe proporciona.

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