TEXTO PUBLICADO NO JORNAL NOTÍCIAS DO DIA EM 26 E 27 DE JULHO DE 2014 DE ELIANA APARECIDA DE QUADRA CORRÊA
Causos de caminhoneiro
Como de costume (e isso acontece desde que eu sou pequena), meu pai chega
de suas viagens e logo em seguida nos reunimos para ouvir seus causos da
estrada.
Conta-nos o percurso geográfico
pelo qual trafegou com os mínimos detalhes como um perito em sua investigação.
Relata sobre placas, curvas, vilarejos e suas culturas locais, sotaques bem
marcados, influenciados pela imigração.
Curiosidades, como o uso de palavras com significados diferentes de cada
lugar. Como por exemplo a palavra rapariga que no
Sul do Brasil significa
simplesmente o feminino de rapaz sendo sinônimos de moça, mulher nova,
adolescente do sexo feminino, menina, guria. Nas regiões Norte e Nordeste,
estados de Minas Gerais e Goiás pode informalmente significar meretriz, amante,
mulher da vida.
Ou
o uso de várias denominações para um mesmo objeto, bola de gude é uma destas
palavras, uma pequena bola de vidro maciço, pedra, ou metal, normalmente escura,
manchada ou colorida, de tamanho variável, usada em jogos infantis. Também é conhecido pelos
nomes: quilica, bulica, peca, Berlinde, burquinha,
burca, baleba, bila, biloca, bilosca, birosca, bolita, boleba, bolega, bugalho,
búraca, búlica, búrica, bute, cabiçulinha, carolo, clica, firo, fubeca, guelas,
nica, peca, peteca, pinica, pirosca ou (Mangalho), bolinha, piripiri, xingaua,
kamikaze, ximbra e bolíndri.
. Curiosidades gastronômicas como
o cacetinho, espécie de pão de sal também conhecido como pão francês, termo
usado pelos gaúchos e baianos. O bauru, um sanduíche inventado por Casimiro
Pinto Neto, apelidado de Bauru em referência a sua cidade natal que contém
ingredientes: pão com queijo quente, presunto, rosbife, tomate, picles, orégano
e sal e é claro com variações conforme estado. O pingado, café com pouco leite
ou vice-versa. O virado feito feijão, carne de porco e farinha de milho grosso conhecido
como quirera ou quirela um tipo de milho quebradinho. E temos também o queijo
de minas e seus famosos pães de queijo. E lugares no nordeste que o consumo da
carne é racionada e cara para se comprar, coisa que para nós que moramos no
Sul, churrasco não pode faltar nos domingos e festividades familiar.
Mas há também nos encontros pós viagens, os causos que repassam o
sofrimento do caminhoneiro com sua profissão. Um é provocado pelo clima. O
calor infernal que assola o trajeto ou o frio cortante, gélido e repentino, que
requer roupas, cobertores e um café quente. Ou pior, a chuva de granizo. E a
carga precisa chegar no horário marcado, como diz o ditado. “Faça chuva ou faça
sol”, seja noite ou dia é preciso dirigir horas sucessivas para conseguir
chegar ao destino.
Outro impasse é para carregar e descarregar. Muitas vezes o caminhoneiro
leva dias parados, esperando até que estes serviços sejam realizados pela
empresa que o contratam. É preciso paciência e espírito iluminado para tal
tédio.
Mas desta vez, ouvi atentamente meu pai contar uma cena triste da
estrada. Sua voz e expressão facial demonstravam preocupação, tristeza e
angústia. Viajar para ele é como sangue pulsante, contínuo, necessário, uma
paixão. Só que naquele momento tinha no olhar e no pensamento a recordação de
um acidente. Este também é algo que
aflige quem diariamente está na boléia.
Formação de fila, faróis em alerta e logo a frente uma cena de horror.
Três veículos envolvidos. Um caminhão, um carro e uma caminhonete. O carro estava
destruído. Havia três mulheres com ferimentos leves incompatível com a
destruição do carro. A caminhonete ficou no acostamento do outro lado da via,
sem danos maiores com os passageiros. Até aí tudo bem. Mas quando os olhos do
caminhoneiro visualizam o caminhão, eis a triste cena. Um pai, um avô de rostos
ensanguentados e apavorados pediam socorro para tirar o filho/neto de
caminhoneiro que com o impacto violento da batida foi jogado para fora do
veículo e caiu com as pernas debaixo do tanque da carreta.
A criança amparada pelo avô, que sentado segurava sua cabeça dando-lhe
água para amenizar o calor e a agonia da dor cortante e esmagadora. O menino
gritava com os lábios roxos, por socorro ao pai que procurava com as mãos cavar
um buraco com esperança de livrar o corpo do filho sob as ferragens.
O caminhoneiro correu até seu caminhão para pegar uma enxada que leva
sempre como instrumento de apoio para horas difíceis e estradas irregulares. E
sem pensar no sol escaldante, no almoço que acabara de saborear e o fato de
estar em idade dos cabelos brancos a risco de um enfarte pelo esforço
inesperado pôr-se a cavar com todo fervor de suas forças. Sua mente só pensava
em ajudar aquela criança que nunca vira antes e que naquele momento
representava a imagem de um ente querido.
Outras pessoas se solidarizaram e com pás e enxadas continuaram
incessantemente a cavar um buraco para libertar as pernas do menino que entre
gemidos pedia para ser salvo.
Até que chegaram ambulâncias, policiais, bombeiros...e pediram para que
todos se afastassem e liberassem a pista. O caminhoneiro desolado teve que sair
sem poder terminar o que começou cavar o buraco para salvá-lo. Era momento de
deixar aquela cena aos cuidados dos profissionais. Mas triste seguiu com seu
caminhão sem conseguir saber qual foi o desfecho. Este foi um dos acidentes por
falta de prudência vistos por este caminhoneiro que já viu muita coisa e ainda
vivenciará outras para contar a sua família, a cada retorno de sua viagens.